top of page
midiaememoriaufop

A memória dos brasileiros após dois anos de pandemia

Atualizado: 8 de abr. de 2022


Com o isolamento social, as noções de tempo e espaço se alteraram, gerando diversos danos e impactando a memória.


Beatriz Tinôco


Com o isolamento social decretado no início de 2020, para a contenção do coronavírus, os brasileiros passaram a viver reclusos em suas casas, o que gerou diversos impactos pessoais, familiares ou coletivos na comunidade. Um destes impactos recaiu sobre a memória, afetada por essa drástica mudança de cotidiano. O que nos leva a perguntar: como os cidadãos e suas memórias estarão retornando para o convívio social?


Em meio a reabertura das atividades presenciais no país, após o avanço nacional e mundial da vacinação contra a Covid-19, o cotidiano dos cidadãos mudou novamente. Esse novo normal, de retorno - moderado e carregado de medidas restritivas, como máscaras e distanciamento -, insere as pessoas, mais uma vez, em um contexto diferente. No entanto, vale salientar que há questões que assolam esse retorno, como exemplo, os impactos e a condição da memória, além de como haverá o contato físico novamente.


A memória simboliza a trajetória de um indivíduo. Pois é responsável por armazenar as vivências sociais, sejam elas individuais, isto é, um testemunho pessoal, ou coletivas, em que a sensação do pertencimento pontua o reconhecimento de um fato.


Mas a ligação com experiências passadas, pessoais ou comunitárias, revela um aspecto importante: a memória identitária está intrinsecamente enraizada na sociedade. Como explicitado pelo antropólogo Joel Candau, a memória alimenta a identidade e vice-versa. Somos, assim, moldados e moldamos uma narrativa a partir dos momentos e, posteriormente, das lembranças sobre o que passamos todos os dias.


Memórias e redes sociais

Estudante de Direito Laura Mariano na Univiçosa

“O uso excessivo de meios de pesquisa, como o celular, me deixou um pouco preguiçosa em memorizar coisas, já que eu poderia pesquisá-las a todo momento”, relata a estudante de Direito da Univiçosa Laura Mariano, de 20 anos. A questão mostra um dos muitos problemas da sociedade no momento, ou seja, o estado da memória. Mariano pontua que sua memória estava melhor antes do início da quarentena. Isso porque o isolamento aumentou o tempo de tela dos brasileiros, e como tudo pode ser facilmente acessado, o uso da memória a longo prazo deixa de ser uma das prioridades.


Quando a liberdade está em jogo, há a necessidade de encontrar outros meios que ocupem a mente e o corpo, especialmente dentro de casa, onde não há uma grande disponibilidade de lazer. Com isso, o tempo dos brasileiros conectados aumentou e está em cerca de 3h31 por dia, de acordo com uma pesquisa da Globo Digital Overview 2020.


A pandemia alterou, assim, completamente nossa percepção de tempo e espaço, uma vez que os eventos e momentos da vida foram reduzidos de forma considerável. O leque de atividades tem sido muito restrito, com ocupações, principalmente, em ambientes virtuais, como reuniões, televisão e plataformas digitais. Não somente a monotonia entra em vigência, os dias, semanas e meses parecem os mesmos, chegando a se fundirem. Logo, um filme passa pela cabeça, em que só vemos os dias passarem e aí está a maior questão: estamos sem práticas de interação social. Como o ser humano é sociável, ou seja, necessita de convivências, sem elas, a memória não armazena novas experiências e estamos fadados a uma constante rememoração.


Recordações na pandemia


“Certamente as experiências passadas foram recordadas vivamente durante o isolamento”, relata o ex-professor da Universidade de Brasília, Albino Verçosa, de 81 anos. Não somente Júlia Paes, de 12 anos, estudante no colegial contou que revive memórias marcantes como viagens e momentos escolares e familiares enquanto esteve em casa. Portanto, quando uma experiência é vívida e diferenciada, podemos situar essa narrativa na memória e, assim, criar uma linha do tempo de nossa vida para recordá-la. Nesse ambiente pandêmico as lembranças estavam presentes no cotidiano dos brasileiros.

Júlia e sua família. A foto mostra uma viagem familiar que marcou sua vida

Diante disso, pode-se afirmar que a memória, por ter um caráter imaginativo e de fácil acesso, se tornou uma ferramenta, ajudando os indivíduos a passar por momentos difíceis ou reviver histórias, já que o isolamento social causou incertezas e insegurança a todos. “Quando não estou bem, tento pensar em outros assuntos e momentos que tive”, relata Júlia sobre o período em que passou algumas dificuldades enquanto esteve em casa.


Além disso, a memória não foi somente uma válvula de escape para alguns durante a pandemia, ela foi constantemente ativada pelas plataformas digitais, como Facebook e Instagram, que fornecem ao usuário uma retrospectiva ou o chamado “veja novamente”. A doutoranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul/RS, Silvana Dalmaso, explicita em seu artigo “A construção da memória nos sites de redes sociais: percepções sobre experiências no Facebook”, como as plataformas digitais instigam o acesso por meio do uso dos dados que a pessoa já inseriu no ambiente digital.


Logo, como a internet, por vezes, é uma manifestação virtual dos laços sociais já existentes na vida off-line, uma visibilidade internacional é utilizada durante a pandemia, uma espécie de identidade virtual (Dalmaso, Silvana, 2015). Com isso, sabendo dessa necessidade de interação, a plataforma mais utilizada no mundo, o Facebook, traz materiais que intensificam e estimulam o constante compartilhamento de conteúdo, para a geração de novas interações e, principalmente, de novas memórias.


Neste sentido, Márcia Elisa Lopes Silveira Rendeiro (2011) cita as redes sociais como espaços de produção de subjetividade e memórias. Em outras palavras, com o distanciamento, criamos e geramos ainda mais conteúdo para as plataformas. Explicitando que podemos estar perdendo memórias, já que há uma constante carga de novas informações que disponibilizamos e somos compelidos a ver nesses aplicativos. Assim, vale ressaltar como essas novas interações presenciais serão feitas, já que o hábito da opção pelo virtual pode ser um empecilho.


Outras questões dialogam com a memória dos indivíduos. Como acontecerá esse retorno? Como estarão a saúde mental e a capacidade para guardar fatos, posto que a quarentena mexeu com nossos hábitos e forçou um novo ambiente com o qual muitos não souberam lidar? O que sabemos por enquanto é que houve um ganho neste período, um aperfeiçoamento em nosso uso dos meios digitais, de novas formas de interação e como lidamos com ela.

 

Beatriz Tinôco é estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.



10 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


bottom of page